quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Parede

- Meu pai? Ele penteava o cabelo. O dia todo. Tinha uma doença em uns nervos da cara. Não se podia tocar na cabeça dele que já gemia. Mas penteava o cabelo, a despeito da dor. Enquanto penteava soltava uns gritos. Lembro que ecoava pela casa toda, mas ele continuava alisando o cabelo. Uma vez o vi chorando enquanto penteava. A única vez que o vi assim. Morreu ainda com o problema. Quando olhei para o rosto no caixão, conservava a mesma expressão de sofrimento. Diziam que não conseguiram tirar. O cabelo permanecia penteado, com zelo.

- Minha mãe também era um pouco louca – ele continuava. Histérica. Depois da morte do marido, andava de um canto ao outro da sala, com seu vestidinho preto que tinha uma rosinha branca artificial na altura do pescoço. A aparência triste, meio solícita com o destino. Começou a falar consigo depois de um tempo. Continuava andando. Perguntava-me coisas estranhas de vez em quando. Uma vez perguntou:“Onde está o pote de ameixa?”, eu disse que não tinha pote nenhum de ameixa em casa. Ela, então, revirou tudo, esbravejando nos criados. Uma hora se cansou e parou de procurar. Gostava de ameixas. Cresci nesse ambiente, quem cuidava de mim era um dos empregados. Quando minha mãe morreu, eu já tinha uns 23 anos, já de cama, ficava gritando coisas que só ela entendia. Mas sorria. E o sorriso ainda era bonito, apesar de velho e sofrido.

- Quem mais da minha família? Acho que só. – Soltou um risinho triste enquanto olhava para ela, a parede, com medo. Ela o encarava de maneira diferente esses dias.

Alexandre Cruzeiro

6 comentários:

Anônimo disse...

Puta merda! Que doideraa!

Ingrid Regina disse...

A Loucura, a morte de loucura.
Eu gostei muito desse, ja lido e merece umas releituras, sabe.

Um dos melhores contos curtinhos que eu ja li... E olha que li muitos, aodro contos heim.

Parabéns Alexandre;

Giu Missel disse...

Mto bom!
:D

Tati Tosta disse...

^^Bom. Bom^^

Bom de ler.
Leve tanto, que leva a gente junto.
Delírios. Desvairos.

Belas linhas.

Beijos.

"A Moça que Sonha: A Louca." disse...

A melhor dor, com certeza veio deste.

Malu disse...

Psicotrópico. Um dos meus doidinhos preferidos! Adoro! Esse texto é fodáustico total...